sábado, 16 de abril de 2011

Da Desumanidade!

Desci em Congonhas, já com uma hora de atraso, entrei pacientemente na fila do taxi, e pedi um que aceitasse cartão.
Seria um dia cheio, nem tinha dúvidas disto, mas nada de extraordinário deveria acontecer... 
Entrei no taxi, pedi o destino e dei de cara com aquelas revistas velhas.
Uma delas me chama a atenção, na capa, em branco sobre azul leio: 

A Menina e a Segunda Guerra.

Comecei a ler, e reconheci mais uma história, parte de outra que já conhecia....


Esta se inicia no Cargueiro Itagiba, navio da Companhia Nacional de Navegação Costeira, em 17 de agosto de 1942.
O Itagiba foi um dos navios torpedeados por um submarino alemão U-507. 
Torpedear um navio de cabotagem, de um país tão longe da guerra, realmente leva a pensar em sadismo,  puro e simples.
No Itagiba estavam, pai e filha, ele Marítimo, ela com 4 anos.
Walderez havia nascido na data de aniversário de seu pai, que toma isto como presente divino e a leva a todos os lugares consigo.
Lá está ela na popa, brincando com uma vassoura quando o torpedo atinge o navio.
Não era o primeiro torpedeamento nas costas brasileiras...
Otávio, o pai, corre com ela pela cintura, escadas acima e coloca em uma baleeira, e quando esta é lançada ao mar, o navio aderna.
A baleeira é atingida pelo mastro, e se rompe, o pai é  laçado pelos fios das antenas e desacordado é tragado pelo mar.
Em uma dada profundidade, acorda e com uma faca se liberta dos fios das antenas, voltando à superfície, não encontrando mais a baleeira e a filha.
Walderez será a última sobrevivente a ser resgatada, ao fim da tarde. 
O reencontro se dá no Iate Aragipe, aos abraços no pai que já não tinha mais esperanças em revê-la com vida.
O milagre se dá pela ação de alguém que Walderez não se lembra, mas que por algum motivo havia a colocado dentro de uma caixa de madeira de "Leite Moça", com a ordem de "Segura, não solte!".

Outros náufragos serão salvos pelo Arará, Mercante do Lloyd Nacional, que será também torpedeado em poucas horas pelo mesmo U-507, transformando 18 náufragos do Itagiba, e novos náufragos do Arará.
Todos os sobreviventes são levados para a cidade de Valença, no litoral Bahiano.

Walderez sobreviverá a mais angústias, como a morte da mãe e irmão, logo após a chegada ao Rio de Janeiro, em um acidente de trem. 
Se formará em Psicologia e seguirá sua vida, nada falando dos acontecimentos, pois não conseguia.

Entremeada:

Em Valença encontrava-se, justo neste dia a passeio, um jovem de 17 anos, morador de Salvador.
Mustafá Rosemberg de Souza. Conta que na cidade havia apenas três médicos, e que no desespero de tantos feridos chamam pessoas para ajudar.
Mustafá entra na casa de um deles e ajuda na limpeza do chão, e de alguns ferimentos.
Hoje aos 85 anos, médico, ainda reside em Valença e relembra:
"O que eu ví foi o inferno de Dante. Muita gente estraçalhada, mortos, amputados, sem pernas"
"Ainda hoje, quando lembro disto, ainda dança na minha cabeça um bocado de confusão"
Hoje, quando reli o texto para colocar aqui, encontrei também os sites dos sobreviventes e de suas histórias:

Arará será o nome dado ao PBY (Catalina) que havia posto à pique o U-199 no litoral do Rio de Janeiro.

Da desumanidade daquele dia restam na lembrança de quem viveu as dores da perda de amigos, da visão da desgraça... 
Mesmo que isto tenha levado a carreiras, como a da sobrevivente que se torna psicóloga talvez para resolver suas angustias, ou do menino que se torna médico após limpar feridas... Nada pode justificar o sofrimento imposto às pessoas por ambições.


Nota: A revista encontrada no taxi, que gentilmente me foi dada de presente, é a Dez! de 27/03/2011, parte integrante do Jornal Diário de São Paulo.

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